Há certas bandas e músicas que nos marcam. Aquilo que persiste na nossa memória, pela positividade, é algo que tendemos a entrelaçar a uma plêiade de agradáveis momentos da nossa vivência, e que persistem para a posterioridade. De certo que toda a música de que gostamos faz sortir este efeito de pontificação, mas talvez somente alguns casos excecionais se destaquem, pela amplitude da sua relação com as boas vivências e singelas boas memórias, copuladas com os mais elevados patamares de qualidade artística.
O álbum de estreia dos Everdawn é uma das mais ilustres representações desse fenómeno. Uma banda cuja música nós associamos àquilo que nos é benfazejo e que é sonoramente maravilhoso, carregando consigo uma dupla importância para esta experiência de apreciação artística. Que não é unicamente a apreciação do momento, mas também o alegre reviver do passado e o acolhimento da nostalgia. Cleopatra é mais do que uma peça musical acima das mais supremas escalas de magnificência, é toda uma experiência louvável e cristalizada para a eternidade. É uma sensação de conforto, de empatia, de emoção e de felicidade.
E o fator principal que tornou esta banda numa das nossas mais recorrentes preferências foi, sem dúvida, a qualidade e pujança da sua música. Falamos de um álbum que, do início ao fim, se traduz numa autêntica obra de arte fascinante, de uma composição e música atemporal e imensuravelmente bela. Os Everdawn elevam o potencial do metal sinfónico a um patamar de incomparável superioridade, patente na instrumentação e nos vocais.
A instrumentação é de uma tecnicidade impressionante, precisa, com diversas sensibilidades progressivas, numa composição que complementa, engenhosamente, a intensidade do metal com a acessibilidade, melodia e grandiosidade do metal sinfónico. As orquestrações são notavelmente predominantes ao longo do disco e assumem uma imensa variedade de efeitos sonoros que se vão desenhando no decorrer da música. Sendo executadas com o máximo de ambição, contribuem para constituir toda uma atmosfera marcadamente etérea e transcendental, que engloba e se inter-relaciona lindamente com a instrumentação metálica. Esta combinação instrumental é absolutamente divinal e transcreve-se numa sensação de pasmo ao ouvinte, que é simplesmente inevitável por ser tão magnífica.
E o outro grande elemento definidor da musicalidade e identidade dos Everdawn é a voz de Alina. A sua proeza vocal é impressionante. Ela consegue facilmente transitar entre diversos registos vocais que vão ditando o desenvolvimento da música. E além deste aspeto mais técnico, há que destacar, invariavelmente, a imensurável lindeza e potência da sua voz. Alina é uma vocalista magnífica e a sua voz é carregada de uma forte emoção e carisma que, conjugada com a sua versatilidade, cria a receita para a perfeição. Além de também intensificar e personalizar o conteúdo lírico das músicas, exponenciando a magnificência já pré-existente das canções, a um novo grau de requinte.
É, sem dúvida, das mais belas e maravilhosas vozes que já passaram por nós. É uma voz sirénica, absolutamente encantadora e divinal, como uma presença miraculosa que abençoa a nossa audição com a mais esplendorosa e amável execução vocal possível.
Adicionalmente, as várias faixas do álbum possuem elementos sonoros, tanto vocais, como instrumentais, aparentemente mais discretos, que se vão revelando aos poucos, por cada vez que repetimos a sua escuta, que se desdobram de uma forma tão espontânea, que maravilham, consistentemente, a nossa experiência auditiva. É um exercício que demonstra a profunda proficiência, genialidade e criatividade artística destes músicos, que nunca deixa de se embelezar e revitalizar em nenhuma ocasião.
Esta é uma conjuntura que atestamos em todas as faixas do álbum. Além do facto de que todas elas são extremamente soberbas. Não existe rigorosamente nada fora do lugar, exagerado ou em falta. É como se todo o álbum tivesse sido esculpido por um autor renascentista. E é o que faria sentido, visto tratar-se de uma tentativa de captar a maravilha da essência humana através da arte - é precisamente isto o que os Everdawn fazem. Exponenciar o seu génio criativo num esforço coletivo de produção artística que externaliza o esplendor dos seus talentos e potenciais individuais. A consequência é a criação de uma maravilha artística, majestática, triunfante e musicalmente perfeita, que tão conveniente se faz representar pela real figura de Cleópatra. É um trabalho que merece todo o bom elogio e mesura possíveis, que reúne tudo aquilo que podemos, sem qualquer insistência, categorizar como uma ufana e épica obra de arte que sinonimiza com a perfeição e se encima, com todo o devido esplendor, nos supremos escalões de excelência artística.
Numa nota conclusiva, não podemos também deixar de expressar o quão gratificante e honroso é constituir um pequeno espaço de destaque e homenagem aos Everdawn neste blogue, tendo sido também uma das nossas primordiais fontes de inspiração para este projeto. Retomando as referências iniciais desta publicação, Cleopatra não é somente um álbum de estúdio, mas toda uma enriquecedora e solene experiência; não somente o expoente máximo da potencialidade do metal, mas também do mundo da música, na sua vasta globalidade e que merece ser celebrado com todo o seu fulgor.
Ficha técnica
Data de lançamento: 5 de fevereiro de 2021
Editora discográfica: Sensory Records
Faixas:
-Ghost Shadow Requiem (5:41)
-Stranded in Bangalore (3:25)
-Cleopatra (5:37)
-Your Majesty Sadness (4:54)
-Infinity Divine (4:03)
-Pariah's Revenge (4:22)
-Lucid Dream (4:02)
-Heart of a Lion (4:18)
-Toledo 712 A.D. (2:25)
-Rider of the Storm (4:10)
-The Last Eden (4:59)
Créditos:
Alina Gavrilenko (vocalista e letrista)
Richard Fischer (guitarrista)
Mike LePond (baixista)
Boris Zaks (teclista)
Dan Prestup (baterista)
Thomas Vikström (vocalista convidado, em Your Majesty Sadness)
Dan Swanö (mixagem e masterização)
Gyula Havancsák (ilustração da capa)